segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Texto longo, mas interessante!


Como qualquer pessoa, conheci “O Príncipe” de Maquiavel primeiro a partir do adjetivo “maquiavélico”, para depois conhecer o sujeito e sua obra. Maquiavélico refere-se a qualquer ação sagaz, premeditada e habilmente executada para manipular pessoas ou situações. Há algo de malévolo em quem recebe o adjetivo “maquiavélico”. Também sobre “O Príncipe” soube superficialmente: um manual escandaloso de como governar sem escrúpulos.
Mas tão logo entrei em contato com o texto de Maquiavel, descobri a pressa e grosseria dessas generalizações. Minha descoberta, no entanto, se iniciou com o susto de flagrar-me despido nos conselhos de Maquiavel. Com uma freqüência vergonhosa, identifiquei-me com o modo como Maquiavel orienta a prática do poder. Mais ainda, o que de mim identifiquei o fiz mormente do espaço do qual faço parte. Os pastores e suas igrejas. Isso mesmo! Não disse políticos, mas pastores!
Ler Maquiavel é uma experiência repleta de contradições. Odiamos seus conselhos à medida que amamos. Odiamos porque seu atrevimento de expor algo sem preocupações éticas, nem roupagens ideológicas é constrangedor. Mas também odiamos porque nos flagramos amando a perspicácia com que nos ensina a concretizar o que desejamos: perpetuar nossa vontade sobre os outros, garantindo nosso prestígio e influência. Lia o texto, mas surpreendia-me ouvindo interessado os seus conselhos, para em seguida rechaçá-los. Numa espécie de auto-exorcismo: sai de mim que este corpo não te pertence!? Do repúdio à atração. Do afastamento à afinidade. Da indignação ao conformismo pragmático. É o gosto agridoce de O Príncipe. Lê-lo é repudiar práticas de liderança ao nosso redor, para em seguida perceber-nos maquiavélicos em quaisquer dos níveis de relacionamento da vida. Inclusive na vida religiosa, na vida de dentro da igreja. Este lugar pelo qual inutilmente nutrimos uma fantasia de imunidade moral.
A partir dessa experiência tridimensional com o texto de Maquiavel, nasceu meu desejo de percebê-lo em nossa prática evangélica. Identificar o poder maquiavélico em nossa pastoral como um chamado a inconformação e ao olhar cuidadoso para a escolha divina em Jesus de um outro poder é a que me proponho neste trabalho. Primeiro, nos deixaremos radiografar por Maquiavel, para em seguida compreender o poder no qual veio Jesus como um “outro poder”, com o qual e tão somente o Reino de Deus é possível entre nós. Comecemos com Maquiavel.
A obra de Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”, é tida como a fundadora da noção de Estado Moderno. Maquiavel participa, na Itália, ainda feudal, de um processo amplo de transição. Sobre ele está a forte influência do renascimento cultural, a transferência do horizonte último de legitimação da vida humana da religião para as relações seculares, de um teocentrismo para um antropocentrismo. Não mais a vontade de Deus expressa pela religião, mas a necessidade e anseio da pessoa humana tornam-se determinantes. Maquiavel sonha em ver acontecer na Itália o que já estava em desenvolvimento acelerado na França e Espanha, a centralização do poder em uma monarquia absoluta, como esclarece José Nivaldo Junior:
“A reação contra a idade Média,chamada injustamente pelos humanistas do Renascimento de “Idade das trevas”, alcança todos os valores e instituições,principalmente a Igreja. A burguesia invocava novos valores cosmopolitas, ridicularizava a nobreza e seus atributos e transformava a Igreja em alvo das mais severas críticas.(…)Na Itália, contudo, a tendência centralizadora esbarra em um obstáculo irremovível: os Estados pontifícios, plantados no centro da península, impedem a unificaçãoAlguém disse que a igreja não tinha forças para unificar a Itália sob a sua égide,mas era forte o suficiente para impedir essa unificação. Esta unidade seria o grande sonho da vida de Maquiavel. É nesse sentido que ele direciona “O Príncipe”.”[1]
            Maquiavel está exilado do Estado Florentino, sua terra natal, quando escreve sua obra prima. Sua intenção, dizem os historiadores, era a de promover-se diante dos Medici, família que ocupava o governo em Florença, sonhando em ser repatriado, ao mesmo temo em que trabalhava para, a partir do Estado de Florença, proporcionar a unificação tão sonhada da Itália.  

Curiosamente, Maquiavel inicia sua carreira de homem público logo após a deposição de Girolano Savonarola, executado na fogueira em 1498. Sabe-se que este evento é uma antecipação e preparação da Reforma protestante promovida por Lutero. Savonarola é referido por Maquiavel como o profeta desarmado”, seu governo pretendeu fazer de Florença uma república teocrática, onde seu governante seria nada mais e nada menos que Jesus Cristo. Sabendo do impedimento dos estados pontifícios para a unificação da Itália, substituindo o governo religioso de Savonarola, é que Maquiavel trata das questões de poder em O Príncipe. Também não por acaso é que tem um tom irônico ao citar entre os seus exemplos de liderança a grande personagem bíblica de política, Moisés.Seu trato do poder é uma desistência radical de qualquer rmecanismo redentivo para a humanidade. Maquiavel parte do pressuposto pessimista de humanidade. A humanidade não é boa, por isso a prática do poder exige o esvaziamento de utopias e escrúpulos morais.
            É neste contexto de transição de valores e busca de se posicionar nos novos moldes políticos que Maquiavel escreve seu texto. Sua expectativa é clara, não está escrevendo um tratado científico, muito menos uma obra de filosofia política. Sua obra é um manual prático para o exercício do poder. Não há uma utopia nas entrelinhas, não há um ideal romântico a ser alcançado. O que há é a necessidade de se ter êxito no poder. A pergunta que Maquiavel quer responder é uma apenas: como se perpetuar no poder? Questão que carrega a natureza mesma do poder: autoperpetuação. José Nivaldo Junior afirma que “O Príncipe” é um manual de marketing político. Dentro dos eventos reais envolvidos no exercício do mando, sua conquista, consolidação e expansão, como deve agir aquele que governa é a questão a ser respondida. Sua preocupação não é de apontar para um poder idealmas para o poder realNão trata do que pode sermas do que é
        
Ao desnudar a prática do poder de todos os seus romantismos e 

domingo, 20 de janeiro de 2013

Quanto mais leio, mais sinto vontade de ler!


De longe já dava para vê-lo sentado ao poço. Preferia que não estivesse lá, como nos outros dias. Venho aprendendo a escolher lugares e horas que me ajudem a ficar só. Aquele poço e sua distância de tudo e todos, aquela hora e seu sol a pino traziam menos desgaste que esbarrar naqueles, quaisquer que fossem, cujos olhares espelhassem o pior de mim.
A aproximação acrescentou um dissabor, não bastasse alguém atrapalhar minha solidão, agora ficava evidente que o homem perto do poço era um judeu. Os babados da sua roupa de bom judeu anunciavam um daqueles que se crêem puros a despeito de nossa impureza. Nada é mais opressor que se enxergar tão estranha e detestável nos olhos de quem quer que seja.
Ao poço, o inusitado mostrou a face. Antes que pudesse deixar nítida minha pressa e indiferença, pediu-me água. Eu sei que a cortesia mínima não rejeita água sequer ao inimigo, mas não soube disfarçar minha amargura. Neguei-lhe e lembrei-lhe o óbvio, era homem e eu, mulher; era judeu e eu, samaritana. Fronteiras fortes o suficiente para que nem a mais sofrida angústia licenciasse o encontro. Nenhum preconceito é tão cruel que não possa servir a uma doentia e útil comodidade.
Ainda assim não me livrei do peregrino. Insistiu, apesar da cara de fadiga e dos lábios ressecados, e advertiu-me de estar desperdiçando uma grande chance. Falou-me da água de um jeito estranho. Não tive certeza se tentava me propor um enigma, como fazem os mestres e profetas, ou se de fato conhecia alguma água com poderes mágicos. Mas ofereceu uma água viva que resolveria a sede de uma vez por todas. Fiquei confusa. Não estou acostumada a esses devaneios, coisas de poetas e profetas, ou insanos. Sempre ali, icei baldes de água que, além de mal saciar minha sede, traziam o enfado de um serviço que nunca finda. Aos meus olhos, balde é balde, água é água, e gente nunca faz muito mais que trazer transtornos.
E mesmo depois de interromper o palavrório mostrando o absurdo de oferecer qualquer que fosse a água sem ter ao menos um balde, continuou a falar de tudo como se nada pudesse ser apenas o que sempre foi. Parecia falar de nada que já antes ouvi, como se tudo pudesse ter outra versão.
E falava como se fosse maior que aquele que cavara o poço, Jacó, nosso pai.
Falava como se palavras cavassem poços e baldeassem saciedade.
Talvez um poeta deslumbrado.
Sendo assim, aceitei a proposta da água viva e entrei na brincadeira. Dei ainda um certo tom de seriedade: ‘apenas para não ter mais o trabalho de ir ao poço’. Um silêncio e de novo aquele olhar insano de quem vê através das coisas e engendra o surpreendente. Eu, que queria não voltar ao poço de água, fui convidada por ele a voltar à origem da minha sede. Mandou-me buscar o marido, esse tipo de gente que primeiro abandona a imaginação, para depois abandonar a esperança e o amor.
A brincadeira perdeu a graça. A guinada da água para o coração causou-me vertigens. Lacônica, disse-lhe não ter marido. E não é que sequer esboçou surpresa? Nem um tom escrupuloso. Sabia de todos os maridos que tive e daquele que me toca, mas não me abraça. Senti meu rosto como um livro que se desenrola diante de um leitor. Seria eu tão evidente? Ou ele, um leitor habilidoso de gestos e olhares? Quem?
Poeta, sim. Louco? Com certeza e daqueles que a gente, atordoada, chama de profeta.
Alguém com versões tão diferentes do que a vida toda ouvi. Que fala estranhamente de tudo, mas com tanta graça. Que transfigura o óbvio e enxerga o avesso do que sempre me enfadou. E, sem pá, explora profundidades e, sem balde, baldeia com as palavras novos sentidos e embebe a vida de significados vários. Alguém assim pode me falar de Deus também com surpresa. Salvou-me da culpa de não ser amada, quem sabe salvará o divino do meu tédio?
Fala de Deus, poeta. Baldeia também o divino de outro poço, profeta. Porque tal como esta água, o que de Deus eu sei me angustia mais que sacia. Os samaritanos falam de um que é mais Deus em nosso templo que naquele de Jerusalém. Deus é só isso? Dos judeus ou dos samaritanos? De Jerusalém ou de Gerisim? Do templo que não me quer, ou que não me cabe? Dos homens e suas vaidades másculas e truculentas? Reiventa, poeta. Redescreve, profeta.
Bem naquela hora, uma brisa boa refrescou nossos rostos e a conversa, já tão tensa e grave. Ele, por um instante, pareceu esperar pelo sopro como um cantor aguarda o acorde da harpa. Como um poeta espera a metáfora que libertará a imaginação. Chamou o divino de vento. Desse que sopra selvagem e solto no deserto; desejado, mas indômito. Para além de qualquer estrutura, imprevisível, tão livre que apenas os que também anseiam pela liberdade podem encontrá-lo. Disse que Deus é vento e procura por quem, ao adorá-lo, também vai além dos edifícios e suas rígidas estruturas, tal qual o indomável e inventivo vento, e só assim o encontra de verdade.
Porque a verdade nunca é o que já se disse, mas o que está por dizer.
A verdade nunca é o que a brisa já deixou desenhado na areia, mas o vento que sempre está por soprar e redesenhar o chão de nossa existência.
Então? Vocês não querem vir e ouvi-lo? Ele (re)contou tudo o que tenho feito. Acho que é o Messias. Certamente não o que esperávamos. Mas o Messias. E eu, nossa! Esqueci meu cântaro lá, de tão lembrada que estou de tudo o que ainda posso ser.
Elienai Cabral Junior